A REGULAÇÃO NÃO É CENSURA

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A ONU deve anunciar neste dia 22 de setembro a criação de um organismo internacional para disciplinar a Inteligência Artificial e as redes sociais. Ao que tudo indica existe a boa vontade de 193 países de entrar num consenso de que da forma como estão atuando essas novas tecnologias, não pode continuar.

O mote principal é retomar o controle do Estado sobre o desenvolvimento da IA e seus impactos, que atingem todos os setores da vida humana. A preocupação de muitos países e organismos internacionais reside no fato de que as tecnologias que orbitam em torno da IA comprometem de forma direta a democracia e os pactos civilizatórios construídos ao longo dos séculos.

O uso indiscriminado dessas tecnologias por grupos políticos extremistas, em especial da extrema direita, para disseminar fake News e por tabela o enfrentamento das instituições políticas, é tentar fragilizar as democracias vocalizando ideias autoritárias e ditatoriais sob o argumento de que suas ações são expressão da liberdade, portanto, legítimas.

Esta falácia de que se as redes sociais, bem como a IA forem disciplinadas e reguladas seria censura, não se sustenta. E os argumentos que derrubam essa afirmação são numerosos e consistentes. Não existe atividade da vida humana que não possa ser regulada e disciplinada. Sem regras, o convívio social deixa de existir. Seria no último ratio a volta à barbárie. Hobbes em sua obra “Leviatã” (pág 174, ed. Martin Claret) já afirmava: “É comum os homens se iludirem com o especioso nome liberdade e, não tendo capacidade de distinguir, considerar muitas vezes como herança particular e seu direito inato o que é apenas direito do Estado”.

O uso desregulado das redes sociais e da IA, sob o argumento da liberdade total, permite e isto é amplamente evidenciado, a explosão do fanatismo no seu mais amplo espectro, desde o religioso até o político. O fanatismo potencializado pelas redes sociais é a porta de entrada para a disrupção dos valores democráticos e a erosão das instituições republicanas. Os exemplos deste comportamento de fanatismo e divulgação de notícias falsas tem alcance exponencial a ponto de promover, por exemplo, no caso específico no Brasil, a tentativa de golpe de estado, como visto no dia 08/01/2023.

Os extremistas, em especial os da extrema direita, -que se utilizam das redes sociais e recentemente da IA-, tem um conceito particular de liberdade. Para eles a liberdade de expressão é a possibilidade de atacar e ofender pessoas e instituições políticas sem limites. Esse perigoso grupo social encontrou nas big tech o espaço vital de suas existências. Protegidos pelas inapetências destas empresas em promover filtros nas postagens que atacam a institucionalidade e pessoas, trafegam com desenvoltura típica dos que ocupam terra sem lei. Isto quando não encontram uma empresa de tecnologia que seu dono é a expressão de seu pensamento autoritário e de extrema direita, no caso a X, ex-Twitter. Falo da extrema direita, porque não se tem notícia de uma extrema esquerda que tenha a força na internet como àquela.

O Brasil viveu recentemente o embate entre o STF e a X do Musk. Sem termos uma legislação específica que regulamentasse as redes sociais e a IA, o ministro Alexandre de Moraes tinha apenas o Código Penal como instrumento de punição aos abusos cometidos pela X. O fechamento do sinal da empresa trouxe à tona um sem número de comentários, todos alicerçados no bestialógico comum dos palpiteiros: censura, cerceamento à liberdade de expressão, autoritarismo. Nenhum deles teve a dignidade de saber as razões que levaram a suspender as atividades do X aqui em nosso território. Faço aqui um breve resumo que levou a fechar a rede social no Brasil.

Foi postado na rede X fotos de delegados da Polícia Federal com ameaças de morte, incluído nesse rol fotos de suas respectivas famílias, como por exemplo a foto de uma filha de um dos delegados, menor de idade, com o seguinte post: Viva ou morta. E teve quem repostasse perguntando qual era o valor. Não só ameaçavam, como dava endereços, hábitos cotidianos e rotinas dos policiais, com a clara intenção de trazer insegurança e constrangimentos de toda sorte. Esses delegados investigavam os arruaceiros que pregavam contra a ordem democrática.

A X foi notificada pelo STF no dia 07 de agosto a retirar os posts. Nada fez. No dia 16 novamente a X foi notificada para retirar os posts e novamente nada. Dia 17 de agosto o Musk em represália em não cumprir a ordem judicial, anunciava a retirada da X do Brasil e o infeliz ainda incentivou seus seguidores pedir o impeachment de Alexandre de Moraes Dia 30 de agosto Moraes suspendeu a X por não cumprir ordem judicial e por não ter representante legal no país, além das multas também não pagas no valor de 18 milhões. Lembrando que havia inúmeras outras ordens judiciais que nunca eram cumpridas pela plataforma. Restou então suspender a plataforma. Foi exagerada a decisão do STF? Não. Foi na medida da arruaça promovida por Musk e do desrespeito às instituições públicas brasileiras.

A União Europeia e a Austrália já têm regras bem duras que disciplinam as redes sociais. Espera-se que a iniciativa da ONU obtenha o resultado de disciplinar e normatizar o uso das redes sociais e da IA. A democracia não deve ser tolerante com os intolerantes. Pois se formos tolerantes com os que defendem a liberdade de expressão sem limites, o debate político fica destruído, já lecionava Karl Popper na sua obra A sociedade aberta e seus inimigos (ed. Edições 70, 2012).

Queira ou não, o Brasil foi pioneiro no enfrentamento das empresas de tecnologias que se portam como donos do mundo. Refiro-me à atuação do judiciário contra X. A regulação das redes sociais e das big techs, por via de consequência, é uma necessidade premente. Se não for assim, a democracia corre sérios riscos.

Argemiro Nascimento