Aristóteles vaticinava no capítulo 1 do Livro 1 de Politica “..o homem é mais animal político do que as abelhas ou qualquer outro animal gregário, é evidente” (Política, pág 11, ed. Camelot Editora). Partindo dessa premissa, a construção da sociedade e sua evolução somente se dá pela Política. Está intrínseco no ser humano que a convivência social não poderia ser de outra forma. Tudo isso é óbvio e não há contra-argumento.
No arco da construção histórica da civilização humana, viu-se ao longo dos tempos que a Política não só permitiu a consolidação da democracia como a única maneira de conter as tiranias, mas também, ironicamente favoreceu o surgimento justamente de governos tirânicos, que encontraram nas inúmeras fragilidades da democracia espaço para existir e o pior, se transformar ante as oportunidades e eternizar-se ao longo das gerações. Não precisa de nenhum esforço de memória trazer neste momento o que representou e ainda representa o fascismo e seu desdobramento o nazismo. Correntes ideológicas que transformaram o século XX, se renovaram e estão mais vivas do que nunca.
Quando fazemos um recorte para a realidade brasileira, o que observamos é a inexistência de sua construção por três séculos de valores mais sofisticados da Política e da democracia que se solidificou aos trancos e barrancos, em especial na Europa nos séculos XVII, XVIII e XIX, tendo como vetor a busca de um Estado menos intervencionista ou ainda uma redução da influência das monarquias na vida das pessoas quase sempre através de processo revolucionários.
O Brasil se consolidou através da escravidão e o mandonismo das oligarquias rurais, mais tarde industriais e financeiros e sua direta participação na condução política do país e no controle total dos governos que se sucederam da monarquia a república.
Quando olhamos o cenário atual da política brasileira, não causa espécie a fauna delirante representada na extrema direita, ainda que seus atores principais sejam possuídos de uma patológica ignorância. O que não significa que sejam desprezados. São uma força poderosa que utilizam os recursos da internet com muita proficiência. Eles amalgamam uma série de valores distópicos e autoritários como mote para as suas existências que seduzem uma parcela significativa da população. Eles são herdeiros de um Brasil atrasado que teima em perdurar.
Em terras tupiniquins existe um traço de personalização da política nos líderes que se apresentam como carismáticos, a exemplo de Getúlio Vargas. E estas lideranças com este perfil ocupam até hoje os espaços políticos. Potencializados na atualidade pelas mídias sociais, eles hoje segundo Lilian Schwarcz no seu livro “Sobre o autoritarismo brasileiro” são assim descritos: “Trata-se do político populista digital, que prega o ódio e a intolerância, acusa a imprensa e os intelectuais, e se proclama novo ao se dirigir sem mediação alguma à população” (Ed. Companhia das Letras, pag. 63).
Quando nos deparamos com figuras do quilate de Trump, Bolsonaro e mais recentemente um Marçal, percebemos o esgarçamento da Política como elemento de civilidade. Os discursos por eles realizados, – com uma legião de seguidores -, em certa medida significam que em algum momento a democracia falhou. Por outro, não existe caminho que não seja pela democracia, -em última análise, também a Política -, o remédio contra esses boçais que pregam a destruição de valores republicanos conquistados a duras penas.
O trumpismo e o bolsonarismo não surgiram por geração espontânea. São correntes políticas que latejavam nos escombros do fascismo à espera de uma oportunidade para expandirem. Com o crescimento da internet e a reboque das redes sociais, esses elementos vislumbraram a oportunidade de sair das catacumbas e arregimentar seguidores fanáticos e se consolidarem como uma corrente política poderosa. Vocalizam um segmento social que não suporta o diálogo, o contraditório e por sua vez, todos aqueles que passam na sua frente são taxados de comunista, ainda que não saibam nem o que seja comunismo. Seguem a cartilha da intolerância escorada no bordão da liberdade, contanto que essa liberdade possa ser usada apenas para atacar e difamar todos que pensam o contrário de sua ideologia.
Surge nesse caldeirão o Marçal, o Bolsonaro que se expressa com sujeito, verbo e predicado e que aparenta ter lido alguma coisa na vida, o que não o isenta de dizer estultices as pencas e também tenha algum intelecto. Ao contrário do seu criador, que costuma se expressar com monossílabos e linguagem sem nexo, ambos são expressões do terror ideológico que assaltou a política brasileira. Sem estarem ligados às elites políticas, atacam o que eles chamam de “política tradicional”, sabendo-se lá o que significa isso. O discurso do criador e da criatura é ouvido como bálsamo para um grupo social que não se via representado por uma elite política que se encastelou no poder por anos a fio e se perpetuando em privilégios, quando também, por uma esquerda muitas vezes panfletária e pautas socializantes que pouco dialogam com os interesses desse já citado grupo social. A extrema direita logo percebeu que esse era o momento de se levantar e ocupar os espaços políticos e daí sai o que há de pior: Bolsonaro e sua criatura Marçal.
A Política do século XXI terá que buscar caminhos e soluções para extirpar figuras dantescas do tipo Bolsonaro e Marçal. Suas existências rebaixam o discurso político, menosprezam o diálogo e o contraditório. A existência deles e outros que pensam e se expressam de forma igual a esses dois devem ser combatidos com os instrumentos da democracia, não existe outro caminho.