“E o que mais me desagrada na América não é a extrema liberdade que ali reina, é a pouca garantia que encontramos contra a tirania” A democracia na América, Alexis Tocqueville, segundo tomo, pag. 299, Edipro, 2019.
Semana passada vimos a vitória inquestionável de Donald Trump nas eleições presidenciais americanas. Vitorioso sim, mas não tão grandioso como tentou mostrar parte da imprensa. Ronald Reagan teve uma vitória muito maior, a título de comparação. Fica o registro.
A pergunta que não quer calar: Por que os americanos escolheram um sujeito que mente desavergonhadamente, misógino, preconceituoso, xenófobo, caricato, falastrão e condenado em diversos crimes? As respostas são muitas. E talvez somente no futuro tenhamos um desenho melhor do que aconteceu nos EUA com a ascensão do Trump e tudo que ele carrega.
Independente das análises ligeira e muitas delas rasteiras vistas logo após o resultado das eleições americanas, podemos afirmar sem sombra de dúvida que Trump encarna de forma insofismável os valores e a ascensão da extrema direita. Seu discurso político recheado de propostas nacionalistas, ideais conservadoras na pior acepção da palavra e xenofobia, atrai uma parcela significativa de americanos de todas as classes sociais. Lembra muito os discursos teatrais e patéticos de Mussolini. Não precisa ir muito longe, Trump usa e abusa nos chavões que caracterizam o ideário fascista. Basta lembra seu slogam “America grande novamente” que é a representação máxima nacionalista, que por sua vez é um dos sustentáculos do fascismo.
Em minhas abordagens neste espaço sempre defendi que chamar um político de fascista não é adequado. O regime fascista teria muita dificuldade de existir nos dias de hoje como se deu na Itália e na Alemanha nos anos 20-40 do século XX. E chamar alguém de fascista com conotação de ofensa também não é a melhor coisa. No entanto, sempre afirmei que a extrema direita que sobrevive nos dias atuais fazendo o uso descarado da estética fascista. Utilizam os conceitos políticos e a linguagem, numa roupagem mais moderna associada ao uso massivo das redes sociais como canais difusores de seus valores.
Por sua vez, o discurso fascista soa como música para aqueles que se vêem alijados das decisões políticas pelas mais diversas causas. Uma delas é o desencanto com as lideranças políticas que pouco atende às suas demandas mais urgentes. Entre essas perdas está a ocupação dos postos de trabalho por imigrantes, o desemprego em massa provocado pela evasão das grandes companhias multinacionais na busca de mão de obra barata em países periféricos, diminuição da proteção social realizada pelo Estado na razão direta de que os custos de sua manutenção aos poucos estão se tornando inviáveis e mais caros. Associa-se a estas demandas, o crescimento de religiões fundamentalistas que preenche o espaço vazio deixado pelas religiões mais tradicionais que se preocupam mais com os rituais de suas pregações do que as necessidades mais prementes de seus seguidores.
Esse caldeirão de coisas potencializa o surgimento de valores na população que questiona a ação dos políticos tradicionais. Que na visão de uma parcela significativa da sociedade não os representam mais, abrindo, assim, espaço para a extrema direita que passa a discursar com promessas populistas e destruição dos valores republicanos. E a forma de expandir a doutrinação da extrema direita é a utilização em massa das redes sociais como forma de engajamento. Ali se encontra um ambiente livre de controles sociais e legais, tudo isso parece óbvio, e o é. Não há novidade nenhuma nisso.
Claro que as razões que apontei acima não explica completamente o trumpismo, mas diria que representa uma parcela das causas de como uma figura tão grotesca consiga se eleger na maior potência econômica e militar do mundo contemporâneo.
Voltando ao fascismo, o historiador americano e um dos maiores estudiosos do mundo sobre o tema, Robert Paxton, autor do livro “A anatomia do Fascismo”, – livro que recomendo-, em 2017 dizia que devíamos pensar duas veze ao aplicar o mais tóxico dos rótulos, qual seja, chamar algum político de fascista. Ao ver a invasão do Capitólio em 2021 e a incitação promovida por Trump, fez o intelectual mudar de ideia. Escreveu ele num artigo que o uso dessa expressão direcionada ao eleito presidente dos EUA, ‘não só aceitável, como necessário”.
Ao analisar o comportamento da política americana, em especial no seu processo eleitoral, o professor americano vaticina: “A coisa fervilha de baixo para cima, de muitas maneiras preocupantes. E se parece muito com os fascismos originais”, afirmou Paxton. “É a coisa de verdade. É isso mesmo”, completa ele.
O mais assustador é ver pessoas com graduação superior, vistas com maior discernimento intelectual, se posicionarem alinhadas com as propostas da estética fascista sem nenhum pudor. Este grupo, por sinal, torna-se ferrenho defensor da extrema direita onde eles se destacam mais pelo sentimento de se contrapor à política tradicional, – e todos aqueles que se apresentam como opositores devem ser eliminados -, do que por suas ideias.
De qualquer forma, a eleição de Trump significa o avanço da extrema direita na sua expressão mais corrosiva. Por outro lado, também é preciso se aprofundar para saber onde a democracia falhou, que permitiu o surgimento de figuras deletérias como Donald Trump e Bolsonaro. Enfim!
Quanto à figura acima que ilustra esse artigo, não sei, mas acho que lembra uma pessoa.