Apresentadora baiana denuncia ataques racistas por participar de programa eleitoral

Rita Batista levou à Polícia Civil e MP-BA um dossiê com mais de 100 agressões printados

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Apresentadora do programa eleitoral de Fernando Haddad (PT), a jornalista e apresentadora baiana Rita Batista foi uma das vítimas de ataques ou de ameaças nas redes sociais, após o acirramento da disputa política, especialmente no segundo turno, quando apareceu na TV.

“Negona piranha”. “O que é isto? O saci Pererê”. “Frígida”. “Imunda”. “Agora vai vim (sic) o mimimi só porque ela é negra”. Ao todo, foram mais de 30 páginas de prints de ataques sofridos por Rita, reunidos por ela em uma espécie de “dossiê” que apresentou à Polícia Civil e ao Ministério Público do Estado (MP-BA).

Antes da campanha, vieram alguns xingamentos, mas foi no dia 12 de outubro, data em que apareceu pela primeira vez na televisão, apresentando o programa eleitoral do então candidato à Presidência, que as coisas pioraram. A cada aparição no programa, mais ofensas em seus perfis nas redes sociais. “As pessoas estão cegas. Então, para cada leitura, porque tem muito perfil falso, eu via exatamente o estado em que estão as coisas. Infelizmente, nosso país é, de fato, misógino, porque tem muito de ‘puta’, ‘vadia’. É a misoginia clássica, o machismo. O país é homofóbico e racista e isso só evidencia tudo que a gente fala há 518 anos”, disse Rita, em entrevista ao Correio*.

Para o presidente da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil na Bahia (OAB-BA), Jerônimo Mesquita, existe um clima de violência no país. “As pessoas fazem essas ameaças sob a ilusão da impunidade. Elas acham que a internet é um território livre, mas vira e mexe alguém é identificado. Não faz nenhum sentido você ganhar ou perder uma eleição e atacar o adversário”, diz ele.

‘Barbaridades’

No domingo (28), após o resultado das eleições, Rita postou parte dos prints que fez, ao longo dos dias de campanha. No texto, ela conta que esperou “pacientemente” para exibir alguns dos comentários que recebeu. “É uma miscelânea de barbaridades”, escreveu, em seu perfil no Instagram, onde alertou que estão enganados aqueles que acreditam que a internet é uma terra sem lei.

Na segunda (29), ela registrou uma denúncia. Tanto a Polícia Civil quanto o MP-BA estão investigando os ataques.

Durante as eleições, outras mulheres – negras e que costumam se expressar politicamente de forma pública – foram atacadas e ameaçadas. Só nas últimas semanas, foi assim com a jornalista Maíra Azevedo, a Tia Má, a atriz Erika Januza e a youtuber Nátaly Neri.

Ao CORREIO, Rita contou que aguardou o resultado das eleições para evitar que parecesse uma política de “vira votos” – muitos dos que a ofenderam eram eleitores declarados do presidente eleito, Jair Bolsonaro (PSL).

Ela diz que em nenhum momento pensou em fechar os perfis – restringindo-os aos amigos, por exemplo. “Não me abala. Eu sou preta. É triste dizer, mas a gente está acostumada com isso. É importante, inclusive, que a gente crie essa resistência, porque está muito longe de acabar. Então, vamos enfrentando. Graças a Deus, existem as instituições, os meios legais. Eu discuto, debato, respondo, printo”.

Promotora do MP-BA, Márcia Teixeira contou à reportagem do Correio* que o órgão será uma das ferramentas a dar apoio à jornalista durante as investigações. Além do poder público, Rita também acionou advogados particulares. O que, segundo a promotora, é “devido à complexidade dos casos. Foram muitas ofensas e há muito a ser investigado”.

Ataques criminosos

Ainda não há um balanço de quantos casos de ataques virtuais teriam acontecido após as eleições. A Defensoria Pública do Estado (DPE), por exemplo, lançou, no último dia 15, o chamado Observatório de Intolerância Política – Bahia 2018, em conjunto com outras defensorias estaduais e com a Defensoria Pública da União (DPU).

Até esta quarta-feira (31), será possível fazer relatar atos de violência por intolerância política sofridos por pessoas ou por coletivos, em um formulário no site da DPE (http://www.defensoria.ba.def.br). Um relatório com todas as denúncias recebidas no estado deve ser divulgado nos próximos dias.

O que se sabe, de acordo com o presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB-BA, Jerônimo Mesquita, é que, após a eleição, ameaças têm sido comuns – especialmente às minorias. “Gays, negros, transexuais, mulheres, nordestinos estão sofrendo ameaças”.

Como denunciar

De acordo com o delegado João Cavadas, coordenador do Grupo de Repressão aos Crimes por Meios Eletrônicos (GME) da Polícia Civil, é possível identificar os autores desse tipo de crime. Uma das medidas que deve ser tomada é justamente comprovar as ameaças – a exemplo dos prints em redes sociais. Se a ameaça for por e-mail, por exemplo, é preciso mostrar a URL do site (ou seja, fazer um print de toda a tela), imprimir o email e levar à delegacia mais próxima.

O grupo acompanha casos como o de Rita Batista, em apoio a delegacias territoriais ou especializadas que precisam de auxílio para identificar ou localizar os agressores. Embora o grupo esteja investigando o caso da jornalista e apresentadora, o delegado preferiu não entrar em detalhes sobre o que foi feito até então.

A partir desse material, tudo que tiver sido dito nessas postagens será apurado – só então, os crimes serão tipificados. Podem ser desde injúria comum ou racial, calúnia, difamação ou ameaça. Em seguida, os autores podem ser localizados pelo IP (o número que identifica um dispositivo eletrônico numa rede).

O problema, para o delegado, é justamente a impunidade. Todos esses crimes têm penas de, no máximo, três anos de detenção e multa. Na prática, ninguém que os comete vai, de fato, cumprir pena em presídio.

A promotora Márcia Teixeira afirma que “as pessoas precisam entender que é importante voltar a um estado civilizatório” e completou dizendo que enquanto esse estado não retornar, as instituições precisam estar prontas para oferecer suporte àqueles cidadãos que sofrem com agressões e ameaças à segurança e bem-estar. A promotora ainda alerta que o Ministério Público está preparado para direcionar as vítimas, ainda que as denúncias sejam das mais diversas.


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