FEIRA QUE VIVI - IX

A década de 50 foi para Feira um ciclo de desenvolvimento ímpar no comércio, na urbanização e no entretenimento.

O fenômeno veio como se destampada fora uma panela de pressão. Pelas rodovias que atravessavam a cidade, circulavam veículos de carga e de passageiros. O comércio se expandiu como nunca visto, e as casas passaram a ocupar novas áreas do Aviário, Serraria Brasil, Brasília, Capuchinhos, Santa Mônica, Jardim Brasil, Estação Nova, Queimadinha, Av. Rio de Janeiro; a lagoa do Prato Raso era paulatinamente aterrada para construção de casas humildes. A Cidade Nova somente se desenvolveu no primeiro lustro de 60, com a transformação de uma chácara de conhecido professor, em núcleo habitacional da Urbis.

Nos idos de 51, uma notícia sobre Feira que teve repercussão internacional foi registrada por jornais, revistas e rádios: cinco jovens da sociedade local invadiram à meia-noite o cemitério Piedade, violaram quinze sepulturas, quebrando as lajes mortuárias e retirando crâneos para se servirem de cachaça ali e no centro da cidade. O mais comentado era o filho de um dentista, talvez por ser um jovem desabusado; o Zé...

Dia seguinte a repercussão; os jovens desapareceram; processados, não chegaram a ser condenados, e a sociedade logo esqueceu a ação macabra, dita existencialista.

Os desdobramentos do Festival de Woodstock (1969) ainda demorariam a chegar. O povo seguia os ditames do Código Civil de 16, dando ênfase à existência da família legalmente constituída, e o Código Penal bem aplicado aos 'delitos' sexualmente típicos.

Nas décadas de 50/60, infeliz do moço que bulinasse (bulisse, dizia alguns) donzela da faixa dos 14 aos 18 anos! A sedução acarretava prisão por alguns anos ou casamento forçado. Antes dos 14 anos de idade (ainda é) o crime de estupro (embora se refira à violência presumida), era cadeia certa, pensado como se tivesse havido lesão sexual grave.

Muitas jovens namoravam nas janelas de suas casas; os escurinhos dos halls e os jogos do amor eram potencialmente arriscados. Oh Nagé, saudades de Edna!

Indesejado 'boa vida', mas contumaz namorador de dondocas foi descartado por família da sociedade de tê-lo como genro, porque, depois de exame médico e confissão da suposta vítima, ficara  constatado (e bem divulgado) que houvera apenas (e literalmente) pinceladas nas bordas da tela... sem que houvesse nenhum trabalho no centro. Alívio geral.

Conseguir chegar 'nas coxas' era tarefa difícil, tendo restado a expressão para tudo o que fosse inacabado ou mal feito.

Em a notícia rara de ser uma jovem 'incubada', isto é, que não era mais virgem criava-se a expectativas de ganhar as suas graças, pela vantagem de não haver o risco de prisão ou casamento.

Situação constrangedora para os envolvidos era quando, na noite de núpcias, não havia sinal de sangramento no alvo lençol. De manhã cedo, o recém-casado estava na porta do sogro com a esposa para devolvê-la, sob a alegação de não ser ela virgem. Era um escândalo! Ignorava-se que, no caminho, poderia ter havido um dito complacente, para facilitar o ingresso! Houve caso de suicídio de noiva que protestava  pureza de conduta.

Também ocorria que certas moças namoradoras admitiam penetração em segunda via, alegando que a principal seria deixada para provar sua castidade ao futuro marido... Talvez a imperatriz Teodora, mulher do famoso Justiniano, que lamentava ter apenas três opções de penetração, fosse mais honesta, por não pretender enganar ninguém... A libidinagem e o compartilhamento sexual são milenares; aliás, certo ministro do STF já defendeu este. 

Fora dessas situações, restava o perigo potencial de se contrair DST, em uma das inúmeras casas do meretrício que se espalhava pelos becos e pela Rua Sales Barbosa antes do comércio lhes substituir. E o que mais amedrontava era a tal Benzetacil. 

Em nossas bandas, já em1978, e quase dez anos depois de Woodstock, quando foi retirado o pino da bomba e junto com a camisinha, houve liberação geral de relações sexuais, viajando pelo interior, soube que naquele dia fora assassinado um lavrador pelo pai de uma 'bulida', o qual confessara na delegacia ter o jovem implorado apenas que não fosse morto a golpes de punhal, não sendo atendido porém, o que causou revolta maior que o próprio homicídio.

Tempos difíceis para os moços cautelosos, como eu..., espero que os cientistas depois da pandemia ainda continuem se esforçando para compensá-los... 

A croniqueta de hoje termina com um reconhecimento a Oscar Tabaréu, feirense empreendedor, político corajoso, e idealizador do Cassino Irajá, a casa de shows da cidade, ali na Praça dos Remédios. A sociedade local que o frequentava conheceu e assistiu aos grandes espetáculos e astros famosos de nosso broadcasting, lindas mulheres e noites inesquecíveis, infelizmente inacessíveis às parcas finanças dos  esforçados colegiais.  

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