SANTO ANTONIO DE QUEIMADAS - I

Preso, processado, condenado e despojado.

Foto: Divulga��o


Antônio, o traumaturgo de Pádua, canonizado em 1232, foi glorificado em sua pátria quatrocentos anos depois por ter “ajudado” seus patrícios a se libertarem do jugo espanhol, e seiscentos anos após por ter 'derrotado' Junot, após a fuga de Dom João VI para o Brasil. Por tais feitos, foi incorporado ao exército luso na patente de general, passando seu guardião a receber o soldo correspondente.

No Brasil, o Santo assentou praça como soldado a fim de participar da Guerra dos Palmares, 'ajudando' Domingos Jorge Velho e as tropas do governo na destruição do quilombo. Invocada a sua proteção na luta vitoriosa contra Duclerc, foi promovido a capitão da infantaria e mais tarde, pelo sucesso da travessia da Família Real, galgou o posto de tenente-coronel; em 1923, por ter seu guardião cobrado soldos atrasados, foi mandado para a reserva. 

Para aqueles tempos, aliás, o fato não era extravagante. No paganismo, os deuses acompanhavam seus exércitos e eram responsáveis pelas vitórias, impondo seu culto aos vencidos, ou eram amarrados para que, quando suas tropas estivessem em guerra, não desertassem (Esparta não confiava em Ares).

Com o cristianismo, São Maurício esteve vinculado às legiões romanas; São Miguel orientava Joana d’Arc e os franceses contra os ingleses, e o Santo sempre esteve presente nas campanhas das tropas portuguesas no norte da África. 
Antes mesmo de sua militarização no Brasil, o frade franciscano teve seu culto espalhado no hinterland, principalmente no nordeste, na permanente ação missionária de seus confrades. Nas fazendas distantes, entre os escravos (chamados cativos) e os silvícolas sempre aparecia um 'capuchinho' de longas barbas brancas e túnicas surradas marrom pregando, rezando, assistindo doentes e construindo igrejinhas.

O processo de espalhar capelas pelo interior bravio demandava coragem, persistência e trabalho. Em lugar estratégico, em cada fazenda, geralmente em uma colina ou local elevado o missionário deixava, sem ninguém saber, a imagem de um santo de cerca de 50cm. E esperava que a imagem fosse 'descoberta' e conduzida à sede da fazenda.

O fazendeiro feliz e todos encantados com o milagre da aparição, não demoravam de levantar uma capela, organizar cultos e romarias. Em pouco tempo, um puxadinho na área externa da ermida recebia ex-votos representando diferentes formas, em testemunho de milagres (os ex-votos são peças de madeira (mão, perna, dedo, etc.) levadas ao orago pelos fiéis, em consagração, renovação, cura ou agradecimento de promessas). E assim, surgiam povoados, vilas e romarias.

O processo foi, nos primórdios, repetido na fazenda de D. Izabel Guedes de Brito, de linhagem ilustre (Garcia d'Ávila, dono da maior sesmaria da Colônia, que se estendia da Bahia ao Piauí), situada à margem direita do rio Itapicuru, denominada Água Bela das Queimadas. Um cativo encontrou debaixo de uma quixabeira e em uma colina que dá uma bela vista do vale do Itapicuru, u'a imagem de Santo Antônio, de 45 cm, que logo foi conduzida à fazendeira.

Conta a lenda que colocada a imagem três vezes no nicho da casa-sede, o renitente Santo Antônio desaparecia e voltava a aparecer no mesmo local. Milagre!

E não tiveram dúvida. Fizeram mutirões e a capela foi construída naquele lugar, em curto prazo. 

Tempos depois, com testamento lavrado e sem deixar herdeiros, D. Izabel morria, legando para o orago todo o seu imenso patrimônio (terras, gado e cativos).


Por: Roque Aras

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